Embirro com esse ponto de exclamação que se segue ao "Bom dia". Não foi coisa que aprendi. Depois do "Bom dia" deve-se colocar uma vírgula. É um início de uma conversa escrita, não um grito de entusiasmo de quem acabou de beber um café. Além disso é coisa híbrida. Parece frase de gente que está a meio da idade (como eu), que aprendeu a escrever "Exmo.(s) Sr.(s)" nas cartas e fax's, e quando se viu confrontado com :-) ;-) :-/ e emojis vários decidiu-se pelo meio termo. Aliás, nos últimos anos cada vez mais se escreve com pontos de exclamação. Se te querem cumprimentar e se te querem censurar. E vários de uma vez só a chamarem-te cegueta. Como se cada vez mais as palavras não fossem suficientes para passar a mensagem e estivessemos todos viciados em hieróglifos. Talvez porque se escreva com menos palavras, talvez porque somos piores escritores que os nossos pais e avós. Pergunto-me se é um sinal de como vai o mundo. Mais estupefacto, menos sereno.
Tudo isto porque hoje de manhã o meu marido reencaminhou-me um email profissional dele que começava com "Bom dia!". Et tu, Brute!!!
Escrever é a arte de criar frases. Pastorear é a função de guardar ovelhas. Mas pode ser que escrever seja a função de guardar frases e pastorear a arte de criar ovelhas. Ou então escrever é a função de criar ovelhas e pastorear a arte de guardar frases.
Ontem perguntaram-me como me sinto. Sinto-me como um soldado numa frente de batalha, a quem o general manda avançar sem colete anti-balas. Responderam-me, se tu te sentes assim, então os profissionais de saúde! Esses são paraquedistas a saltar sobre um campo minado, com paraquedas feitos de trapos.
Gosto de ler. Livros, crónicas, artigos, opiniões, etc... Costumo ler crónicas e outras opiniões de gente de quem leio os livros. Mas às vezes, no meio de tanta crítica, tanta opinião, tanta certeza sobre o estado do mundo, tanta vergonha do vizinho do lado, pergunto-me se os escritores têm vergonha de quem os lê.
Adormecer no sofá com a lareira acesa, ouvir a chuva a cair a meio da noite, dormir com o nariz enfiado no pescoço do homem, receber o beijo de um filho, aliviar as preocupações do outro, sentir que a natureza continua igual, que as folhas caem das árvores e inundam o chão, ouvir a voz de um amigo, rir com uma colega de trabalho, sentar-me com a minha mãe, compôr uma coisa velha, dormir até tarde, não cozinhar, comer um diospiro.
Descobri no outro dia que sou da geração X! Não me importo muito com o nome porque cresci a ler bandas desenhadas dos X-Men, mas o rótulo não cola. Sinto-me ainda a geração rasca, que depois esteve à rasca, mas mais do que isso sinto-me a geração americana. Da mesma forma que os meus pais viam filmes franceses e italianos ou que os meus filhos hoje veem videos de youtube japoneses e brasileiros, eu via filmes americanos (com muita pena dos meus pais, assim como hoje eu tenho muita pena dos meus filhos!).
Da América chegava música, chegavam filmes, chegavam notícias, e embora eu sempre tenha tido espírito crítico (espero eu!), a verdade é que me formei a ver os americanos a salvar o dia e a força de vontade, inteligência e trabalho de uns poucos bastar para resolver os problemas do mundo. A minha americanice era tão grande que quando era criança pensava que os EUA tinham ganho a guerra do Vietname! Claro que a doença já foi curada há muito. Hoje em dia não espero nada dos americanos, nem descernimento nem empatia, mas ficou-me aquela sensação de que chegado um grupo de aliens ao planeta, os homens iam se unir, os políticos, os militares, os cientistas, e a população em geral iam estar todos a caminhar para o mesmo lado e salvar a humanidade.
Bem, a verdade é que perante uma pandemia global não estava à espera que o que mais relevante viesse ao de cima fosse o egoísmo das pessoas, a burocracia dos serviços e a atrapalhação de quem nos governa. Resumindo, acho comprei o bilhete de cinema errado.
No início desta pandemia em vez de dizerem à população que a máscara era essencial para controlar a propagação do vírus disseram que era uma falsa segurança e que só os profissionais de saúde as deveriam usar. A razão é que havia poucas máscaras. A solução era dizer às pessoas a verdade e pedir para usar o que tivessem à mão. Mas como gostam de nos fazer de parvos recomendaram o que não devia ter sido recomendado e inevitavelmente aumentou o número de doentes.
Agora vêem dizer que não devemos fazer testes por iniciativa própria porque os testes são pedidos e prescritos à população sempre que necessário. Com as delegações de saúde tão assoberbadas que só conseguem notificar contactos com vários dias de atraso e com autorização para mandar testar apenas os sintomáticos, querem nos convencer que está tudo controlado e que podemos ficar descansados à espera de telefonemas que nunca chegam enquanto continuamos a nossa vida "normal" a infectar quem nos aparece pela frente. Poderiam deixar de nos fazer de parvos e dizer a verdade para variar.
Esta pandemia tem servido para pouca coisa, mas ao menos deu para separar o trigo do joio. Quem se preocupa com os outros e quem se preocupa apenas consigo, quer sejam familiares, amigos, colegas, patrões ou políticos. E infelizmente tenho a dizer que a desilusão tem sido uma constante.
Valem-me alguns sensatos aqui e ali e gente com vontade de ajudar que rema contra a maré.