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Ri-te Rita

que a vida não rima

Ri-te Rita

que a vida não rima

Peixes

Tenho um aquário com dois peixes cá em casa e volta e meia dou por mim a olhar para eles. A minha sogra sogra diz que lhe acalma ver os peixes no aquário a nadar de um lado para o outro e outra vez para o mesmo. Eu, sempre que olho e os vejo a abrir e fechar a boca imagino o que pensam. Sei que têm alguma inteligência porque me reconhecem e aos meus gestos. Quando chego para lhes dar de comida fazem piruetas que não repetem quando me aproximo por outras razões. Como com todos os outros animais, pergunto-me se tentam comunicar comigo e chego à conclusão que a minha disponibilidade para os ouvir é tão reduzida que, se fosse esse o caso, a inabilidade seria minha e não deles. Sou para eles uma guardiã ineficaz, que lhes permite viver mas que não os entende. Será que Deus se sente da mesma maneira sobre nós? Ou sou eu, que me sinto da mesma maneira sobre Deus?

Self...ies

Quando surgiu a moda das selfies fiquei ligeiramente revoltada, não com a moda em si, mas por alguém ter achado que inventou coisa alguma só por ter sugerido um nome para algo que sempre existiu. Imagino que se começasse a chamar ao acto de olhar para nada enquanto penso "thinkthing" poderia registar a patente, e cada vez que alguém olhasse para o tecto em busca de calma e inspiração teria que me agradecer o facto de o ter inventado!

Ora eu, que sempre gostei de pôr a minha careta e a dos meus em tudo quanto era foto, sou agora acusada de seguidora da moda das selfies. Bem, a verdade é que sempre disse que se as fotos só mostrassem paisagens, mais valia comprar postais. Por isso em cada foto que tiro há sempre um wally para encontrar, e quando não tenho ninguém mais para enquadrar no cenário, lá fico eu selfizada.

Mas adiante, este fim-de-semana estive a ver fotos antigas com a família, e deliciei-me a encontrar as modas de cada época. Claro que cada moda, assim como em tudo, retrata não só os tempos mas também os equipamentos fotográficos, mas foi engraçado tentar encontrar padrões em cada geração. Dos bisavós ou os conheço em fotos de rosto de formato oval, ou em retratos de família, a mulher sentada, o homem de pé atrás e as crianças dos lados. Aos avós vejo-os de pé, ao lado dos filhos alinhados em escadinha e também mais jovens em fotos de corpo inteiro sem saberem muito bem o que fazer com mãos e braços. Os pais e sogros estão de lado a olharem um para o outro, em poses românticas ao lado de um carro ou num piquenique. Há também as eternas fotos de rosto das senhoritas a olharem de lado para o céu. Aliás, foi uma geração que se fotografou muito de perfil! Ao período temporal entre a moda fotográfica dos meus pais e a moda actual não encontrei padrões. Como é normal acontecer com tudo o que nos diz respeito, não conseguimos identificar o fio condutor por detrás das nossas acções e julgamos que somos a geração livre de manias. Mas talvez tenha sido a moda de fotografar tudo demasiado casualmente, ao ponto de não ter uma foto em condições e bem enquadrada para mandar fazer um quadro. Ah! e havia a moda dos namorados tirarem fotos a si próprios muito juntinhos, que normalmente resultava em duas caras risonhas cortadas dos lados e muito céu em cima. Prova que a moda das selfies já existia antes de ser moda!

La Palissada

Se há história e estória que melhor descreve a humanidade é a da La Palissada.

 

Quando era miúda, sempre que ouvia alguém apontar o dedo a um pleonasmo chamando-o de "verdade de La Palisse", eu ficava a magicar que filósofo teria sido esse La Palisse que se tinha dado ao trabalho de enumerar verdades tão incontestáveis que até se tornavam motivo de gozo. Andava curiosa para ler o seu tratado e indignada por não lhe darem o devido valor. Ora, num mundo em que os homens não concordam com temas tão simples como o direito à liberdade, à opinião e até à vida, como tinha alguém o direito de ridicularizar quem teria encontrado verdades tão fundamentais que ninguém as punha em causa!

Qual não é o meu espanto, quando descubro que La Palisse não era um filósofo, nem um político, nem mesmo um charlatão. Era um nobre militar francês do século XV idolatrado como herói nacional e que inspirou aos seus soldados canções sobre a sua coragem. Cantavam os soldados "s'il n'était pas mort, Il ferait encore envie". Passam os séculos, o grafismo do francês altera-se, e a estrofe toma a seguinte forma "s'il n'était pas mort, Il serait encore en vie", que por ser tão absurda foi imortalizada numa canção satírica do século XVIII. Ora, como a bravura de um herói antigo não alimenta a alma de ninguém, mas a possibilidade de nos rirmos da idiotice dos outros alivia-nos o espírito, enquanto os anos e a memória esqueciam o herói La Palisse, surgiam as lapalissadas cruzando fronteiras de espaço e tempo até aos dias de hoje.

E enquanto sorrio com a ironia disto tudo, especulando sobre as correntes subterrâneas que movem a sociedade, dou por mim a pensar que se não fosse a idiotice ter-se colado à figura do grande herói francês, nunca tinha eu conhecido a sua história, tão longe de França que me encontro e tantos anos depois!

Autores

Inúmeras vezes me ponho a pensar em como serão os diversos autores que leio, se tristes, contentes, revoltados, animados ou outros "ados". E não cheguei a conclusão nenhuma. Há os apaixonados, que falam de amores que ardem tão gloriosamente que logo se extinguem. Há os revoltados que não se levantam do sofá. Há os palhaços, que me fazem rir com ironia e humor, mas que dizem fazer rir os outros para se contagiarem com o riso e não deprimirem. Há os tristes, cuja tristeza é tão serena e tão bem resolvida que não lhes noto sofrimento pelo pesar. Há os sinceros, de quem desconfio...

A nossa sorte enquanto leitores, é que os há. ha ha ha

Bem-me-quer

Tenho um defeito, ou qualidade, que me tem transtornado a vida ao longo dos anos, que é a necessidade de me sentir bem-querida pelos outros. Não é exactamente a mesma coisa que ser bem-vista, que não me importa grandemente, mas sim precisar que gostem de mim, que não me desejem o mal ou que pensem que ajo de má fé. De certa forma é um desejo manhoso, porque eu sei que a alguém a quem se queira bem se desculpam atitudes que geralmente não se toleram. Esta minha preocupação com o que os outros sentem por mim tem-me trazido algumas amarguras, porque é impossível e talvez indesejável agradar a gregos e troianos. E muitas vezes me sinto uma fraude porque dou por mim a mentir de forma a não chocar as outras pessoas com o lado mais feio da minha personalidade. O meu marido, não raras vezes me pergunta o porquê de eu me incomodar, e eu, por racionalmente não o saber explicar, tento impor-me uma terapia que me desprenda dos afectos de quem não me tem afecto. Mas volta e meia volto ao mesmo e fico a pensar se não serei tão cobarde como o homem que eu hoje ouvi a dizer "agarrem-me senão eu vou-me a ele!"

Mal-entendidos

Às vezes pergunto-me se nós enquanto espécie temos noção exacta de como usamos os mal-entendidos para evoluir enquanto sociedade. E quando olho para políticos e gente conhecida da praça penso sempre porque raio não desmentem eles a maioria das maquinações e intenções que o mundo lhes atribui. Será porque não dão por elas, porque se vêem incapazes de o fazer, ou porque no fundo se sentem valorizados com as presunções de inteligência de que se vêem alvo?

Concluí, já há muito tempo, que a verdade de um acontecimento está nos olhos de quem o vê, e não nas mãos de quem o produz. E esse facto, que antes me enervava, parece-me hoje natural e saudável. Todos queremos exprimir o que sentimos e ver nos outros o reflexo desse mesmo sentimento. Tendemos a encontrar por todo o lado sinais de algo com que nos identificamos para justificar as nossas ideias. Quando convencemos alguém do nosso ponto de vista, passa a ser mais importante a visão partilhada do que o acontecimento original, e o nosso grupo ou sociedade passa a mover-se de acordo com essa vontade.

Assim nasceu Deus, assim nasceram as guerras. De acordo com a nossa vontade.

Ano Novo

Olho para o céu e sinto-me embuída no espírito de Ano Novo, o que é uma parvoíce porque está um calor literalmente infernal e o que menos se vê no céu são estrelas. Mas casa roubada trancas à porta, e sinto que esta nossa casa que é a Terra está a ser miseravelmente pilhada. Assim, estou a fazer promessas de Ano Novo para ser mais ecológica. Já decidi que vou deixar o carro mais vezes na garagem e andar a pé ou de transportes públicos, vou colocar painéis solares para aquecer a água e cortar com o gás, e vou comprar pinheiros para plantar no Outono no monte que ardeu perto da casa na aldeia. Soa a pouco, mas ao menos soa.

A música e as bocas

Ontem, estava eu a caminhar numa dessas vielas da cidade que ainda lembram a aldeia, quando passei por uma loja antiga, dessas que ainda sobrevivem porque os lojistas já têm reforma e não precisam do negócio para sobreviver. Quando me estava a aproximar vi um velho encostado à ombreira da porta a descascar uma fruta e a cantar uma modinha de outros tempos. Fiquei tão impressionada com aquela voz perdida no meio do barulho da cidade que abrandei o passo e fui dar uma volta ao quarteirão para discretamente passar mais uma vez ao lado de quem cantava.

 

Às vezes sinto que a música está a desaparecer das nossas bocas.

 

Não dos ouvidos! Cada vez se vê ouve mais música, as pessoas caminham ao som de música, comem ao som de música, trabalham ao som de música e vão divertir-se ao som de música. Mas raramente vejo gente que cante a caminhar, a trabalhar ou a divertir-se (não digo a comer porque seria uma impossibilidade!). Há cada vez mais pessoas que se dedicam por completo à música e que cantam muito bem, mas por falta de hábitos de canto, o resto da humanidade canta muito mal. É a tal da especialização! Da mesma forma que, não percebendo nada de agricultura tenho a possibilidade de me alimentar, a nossa necessidade de música já não necessita do nosso canto. Imagino se o mesmo, com o avançar da dita especialização, não sucederá com a fala. Daqui a uns anos só alguns comentadores de elite saberão falar e conseguirão expressar opiniões, enquanto que o resto de nós apenas carrega em botões de SIM ou NÃO a infinitos referendos colocados online.

 

Repetições

Hoje deu-me para ler o que já aqui escrevi, tudo de enfiada que é como gosto de o fazer, e cheguei à conclusão que já me repeti. Claro que repetir-se é normal, talvez apenas um sinal de pouco talento, mas a repetição é em si mesma um tema em que repetidamente penso. Não sei se, aliás, já o terei repetido por aqui. Ao fim e ao cabo somos donos de poucas ideiais verdadeiramente nossas, e essas poucas serão também semelhantes a outras tantas de alguém. Antigamente horrorizava-me quando via alguém a repetir-se, quer fossem as mesmas peripécias contadas vezes sem conta entre família e amigos ou as mesmas caricaturas lidas em livros e livros do mesmo autor. Com a idade, no entanto, fui assumindo que a nossa individualidade baseia-se também nas nossas repetições. Se não nos repetissemos, não eramos os mesmos ao longo do tempo. E com os anos, ao ver as mesmas histórias contadas em músicas, livros e filmes para diferentes gerações, comecei a alegrar-me com o facto de apenas variar o cenário ou o ritmo da música, como se a humanidade estivesse a dizer ao infinito que por mais que a roupa mude, por dentro continuaremos sempre iguais.

Bem, talvez quando tiver paciência atribue tags a cada post e assim consiga resumir a minha cabeça. Por exemplo este post teria o tag "repetição" e "ao longo do tempo", porque escrever sobre como o tempo me fez encarar a vida com mais tolerância é outro dos meus tópicos favoritos.

Ideias

Há pessoas que falam e escrevem para perpetuar as suas ideias. Eu falo e escrevo para esquecê-las. Quando as passo a outrém, misturam-se no ar, e deixam de me arreliar.

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